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4 de jan. de 2014
Relação parasito-hospedeiro de helmintos do sistema digestório

Relação parasito-hospedeiro de helmintos do sistema digestório

                                               Fonte
 Introdução

            Qualquer livro de História das Ciências chama a atenção para a influência das idéias de cada época e da cultura sobre a forma de pensar dos cientistas e dos médicos. Sendo talvez o estudo das relações parasito-hospedeiro o que mais comprove esta observação.
            A coabitação entre vários seres, regra fundamental da natureza, nem sempre é pacífica, podendo resultar em vários tipos de doenças. Nesse contexto, os parasitos são tradicionalmente considerados como grandes agressores dos quais os hospedeiros têm de se defender.

            O conceito de “parasitismo”, segundo Rey, define-se como “relação ecológica desenvolvida entre indivíduos de espécies diferentes, em que se estabeleça associação íntima e duradoura e certo grau de dependência metabólica entre os parceiros. Geralmente o hospedeiro proporciona ao parasito todos, ou quase todos, os nutrientes e as condições fisiológicas requeridas por este”.

Tipos de associações
            Hoje sabe-se que as relações entre os seres vivos não são estáticas, mas dinâmicas no tempo e no espaço, vivendo os organismos obrigatoriamente em relações simbióticas, onde simbiose significa simplesmente, segundo Bush et al. (2001), “organismos vivendo juntos”, e engloba um conjunto de associações duradouras entre seres vivos, que podem ser benéficas para ambos ou somente para um dos organismos envolvidos. Chama-se mutualismoa associação benéfica para ambos os parceiros. Comensalismo, aquela em que somente um dos parceiros obtém benefícios, sem que o outro seja propriamente prejudicado. Forésia, quando na associação entre dois organismos um deles busca apenas abrigo e/ou transporte e, finalmente, o parasitismo, que significa literalmente “alimentar-se ao lado de”, refere-se à associação em que um dos parceiros, o parasito, em gral de pequeno porte, obtém benefício em detrimento do outro, de maior porte, o hospedeiro.
            Uma simbiose pode começar como um parasitismo e evoluir para uma associação mutualística, tornando-se tão obrigatória que as unidades originais passam a atuar como um único organismo. Fato que é classicamente exemplificado pela transição do parasitismo mitocondrial para o estado de organela.

            Entretanto, para haver associação entre duas espécies e ocorrer processo evolutivo, três condições básicas são necessárias: a) pré-adaptação de uma espécie à outra; b) coincidência de fatores ecológicos, fisiológicos e comportamentais; c) coacomodação, ou seja, os parceiros devem ser bem sucedidos após o início da associação.

Ações do parasito sobre o hospedeiro
             O conhecimento das ações do parasito sobre o hospedeiro é de grande relevância, pois através delas é que se dão a doença. Os principais tipos de ações dos parasitos são:
● mecânica; ● espoliativa; ● traumática; ● tóxica; ● imunogênica; ● irritativa; ● inflamatória; ● enzimática e ● anóxia.


 Sistema digestório
            As características do sistema digestório modificam-se acentuadamente de um extremo ao outro das vias digestivas. Quanto a fauna parasitária do aparelho digestivo humano, esôfago e estômago não costumam albergar parasitos em sua luz, porém do duodeno ao reto, podem alojar-se muitas espécies de helmintos.

            No duodeno, sob ação da lípase pancreática, ocorre a eclosão de ovos de helmintos, ativação de oncosferas de tênias e estímulo de cisticercos de cestoides. O trânsito lento e as espessas secreções mucosas que revestem suas paredes oferecem um a ambiente propício a fixação de ancilostomídeos e de tênias.
            Ao longo do intestino delgado, além de Taenia solium e T. saginata, de Hymenolepis e Diphyllobothrium, podemos encontrar Ascaris e ancilstomídeos. A quantidade de produtos assimiláveis da digestão diminui a medida que nos afastamos do duodeno, devido a absorção da mucosa. Surgem então novas fontes nutritivas, devidas a intensa descamação celular das mucosas e ao aumento da flora bacteriana.

            O cólon e o ceco é um ambiente favorável não só para várias espécies de amebas, mas também para alguns helmintos, especialmente Enterobius vermicularis e Trichuris trichiura, os quais ingerem, além de resíduos alimentares, bactérias.
            Finalmente, muitos parasitos habitam os tecidos da mucosa e da submucosa, como as formas larvárias de Hymenolepis e os Stringyloides.

            Um passo mais adentro na escolha de seu habitat é representado pela localização dos trematódeos Schistosoma mansoni e S. japonicum, que vivem nas ramificações do sistema venoso porta.
            As imunoglobulinas da classe IgA, produzidas na parede intestinal, são encontradas na superfície da mucosa e representam, muitas vezes, a primeira linha de defesa imunológica contra helmintos intestinais.

            O fígado, como meio nutritivo, apresenta-se muito rico, em especial por drenar quase tudo que é absorvido pela parede intestinal e conduzido pela circulação porta. A bile também apresenta composição muito especial, devido a presença de vários produtos ricos em elementos importantes para os parasitos, assim como condições adequadas e atrativas. Assim, as vias biliares são muitas vezes invadidas por trematódeos, como a Fasciola hepatica, sendo o parênquima hepático o habitat preferencial do cisto hidático. Ainda, devido a suas funções como filtro fisiológico, parte dos ovos de S. masoni ou de S. japonicumtende a acumular-se nos seus ramos intra-hepáticos, causando lesões granulomatosas e fibrose periportal.

 Infecção humana

            A infecção humano por helmintos do sistema digestório depende do adequado contato do hospedeiro com os parasitos, sendo necessário que estes estejam sob as formas adequadas para desenvolvimento da infecção (fase de desenvolvimento) e que o contato seja pela via adequada.
            Importante também considerar a existência prévia de infecção helmíntica no hospedeiro, o que muitas vezes pode levar a uma resistência a novas infecções, assim como o estado geral do hospedeiro.


 Imunidade
            Embora os helmintos passem toda a vida expostos ao sistema imunológico, as helmintíases são frequentemente caracterizadas pela cronicidade. As estratégias dos helmintos para escape do sistema imune do hospedeiro são tantas, que chegam a utilizar moléculas e células deste ao seu favor.

            Esquistossômulos de Schistosoma sp., ao invadir a derme e migrar até os pulmões deixam de expressar a maioria dos antígenos parasitários e passam a apresentar moléculas do hospedeiro, sendo o tegumento destes um fator muito importante no sucesso das infecções, o qual é delimitado por duas unidades de membrana, estando a maioria dos antígenos parasitários ocultos na membrana interna.
            A maior capacidade imunogênica concentra-se nas formas invasoras, enquanto os helmintos adultos possuem pouco significado imunológico, sendo a presença destes vermes adultos compatível com a resistência adquirida contra os parasitos nas formas infectantes, uma vez que pequena parte dos anticorpos produzidos nas infecções helmínticas são funcionais, contribuindo para a proteção do hospedeiro ou para limitar o parasitismo. Eles atuam especialmente sobre as formas larvárias.  

            Helmintos trematódeos e nematóides induzem imunossupressão da resposta imunológica de hospedeiros mamíferos, o que pode conferir proteção, por exemplo, aos danos inflamatórios causados por Plasmodium falciparum em hospedeiros co-infectados por helmintos. Infecções helmínticas podem, ainda, suprimir respostas inflamatórias a alergenos e alotransplantes.

 Patologia

            Na extensa maioria dos casos, especialmente em parasitismos por poucos exemplares, as infecções são assintomáticas e quando presentes estão associadas diretamente ao número de parasitos e a fase da infecção, assumindo sintomatologia típica para casa fase de vida do parasito, embora os parasitismos intestinais pelos helmintos na fase adulta, de modo geral, apresentem sintomas comuns entre si.
            O parasitismo do sistema digestório por helmintos pode causar desde uma simples espoliação dos alimentos ingeridos pelo hospedeiro, alterações do fluxo intestinal com diarréia ou constipação, até obstruções intestinais (Ascaris), grande espoliação sanguínea (ancilostomídeos) e quadros toxêmicos (tênias), os quais podem resultar em grandes dados ao hospedeiro, especialmente crianças, levando a perdas no desenvolvimento físico e mental.


 Diagnóstico
            O principal método diagnóstico para as helmintíases do sistema digestório, utilizado para confirmação do diagnóstico ou suspeita clínica é através do exame parasitológico das fezes do hospedeiro e o método da fita gomada no caso de suspeita clínica de enterobíase. Métodos imunológicos vêm sendo desenvolvidos e auxiliando grandemente no diagnóstico de helmintíases, embora haja ainda muitas limitações.


 Tratamento

            O tratamento das helmintíases intestinais, de modo geral, é de baixa complexidade e efetivo com medicamentos preconizados pela OMS, especialmente no caso daqueles considerados geo-helmintíases. Entretanto, devido a fase migratória larval de muitos dos helmintos de importância em saúde pública, o recomendado é que se repita o tratamento após prazo específico de acordo com a helmintíase tratada e que se repita o exame diagnóstico como controle de cura.