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27 de abr. de 2013
Dia Mundial de Combate a Malária

Dia Mundial de Combate a Malária


             Dia 25 de abril é uma data muito importante para todos, pois é o Dia Mundial de Combate a Malária.
● O que você sabe sobre a malária?

● O que você tem a ver com isso?
                São duas questões básicas que motivaram a criação deste dia, comemorado globalmente, como uma iniciativa de conscientização.
                O Dia Mundial de Combate a Malária foi instituído em 2007, durante a Assembléia Mundial de Saúde, e para 2013 o tema é “Investir no futuro: derrotar a malária”.
                Em 2010 foram registrados cerca de 219 milhões de casos de malária, estando entre as principais causas de mortalidade infantil. Hoje, metade da população mundial vive sob risco de contrair malária.
                Muitas vezes, nos achamos grandes, importantes, e acabamos nos esquecendo do que acontece ao nosso lado, sendo mais fácil muitas vezes “virar o rosto” e seguir a nossa vida, fingindo que nada acontece. Como no filme Matrix, depois que você sabe da verdade, é possível continuar sendo a mesma pessoa?
                Atualmente a malária mata uma criança a cada 60 segundos. Entretanto, medidas de controle, se instituídas, podem barrar milhões de mortes infantis evitáveis, e parar perdas econômicas causadas pela malária.
                Apenas em 2010, cerca de 660.000 vidas foram roubadas pela malária, sendo 91% destas mortes na África, e 85% das vítimas foram crianças abaixo de 5 anos de idade.
                Atualmente 3,3 bilhões de pessoas (metade da população mundial) vivem em áreas de risco de se contrair malária, uma doença letal que, a despeito do teste diagnóstico custar US$ 0,50 e do tratamento de uma criança US$ 0,30 a 0,40, é ainda a principal doença parasitária, negligenciada do mundo.
                Isto justifica a importância do 25 de abril, uma data de conscientização e reflexão, onde cada um de nós deve parar o pensar: “o que posso eu fazer?”, pois não fazer nada, é muito fácil e cômodo.
                Para finalizar, cito o 35° presidente Americano, John Kennedy, quando em seu discurso de posse disse: “Assim, meus concidadãos, não perguntem o que o seu país pode fazer por vocês. Perguntem o que vocês podem fazer pelo seu país.”

Dr. Ivan Pereira



17 de abr. de 2013
Trypanosoma cruzi e doença de Chagas - Parte II

Trypanosoma cruzi e doença de Chagas - Parte II





3.0 ASPECTOS CLÍNICOS

A doença de Chagas apresenta duas fases: aguda e crônica. A fase aguda inicia-se no momento da infecção, caracterizando-se por parasitemia patente (detectável por técnicas parasitológicas rotineiras) e pelos baixos títulos de anticorpos específicos da classe IgG, embora anticorpos IgM possam ser encontrados. A fase crônica inicia-se entre algumas semanas e uns poucos meses depois de adquirida a infecção, caracterizando-se pela ausência de parasitemia patente e por uma intensa resposta imune humoral, com predomínio de anticorpos do tipo IgG.

A maior parte das infecções agudas é assintomática ou inaparente. Quando há quadro clínica da doença de Chagas aguda, este se caracteriza por febre baixa e mal estar acompanhados de linfadenopatia e de hepatoesplenomegalia. Podem ser observado sinais associados à porta de entrada do parasito, como o sinal de Romaña (edema bipalpebral unilateral), que sugere a penetração do parasito pela mucosa da conjuntiva, ou o chagoma de inoculação (lesão cutânea eritematosa e endurecida, porém indolor), que se desenvolve no sítio de inoculação do parasito.
 A infecção crônica pode ser indeterminada ou sintomática. A forma indeterminada é aquela que segue a fase aguda, aparente ou não, em que o indivíduo permanece assintomático. A forma indeterminada acomete aproximadamente 70% dos indivíduos cronicamente infectados, podendo estender-se por alguns meses ou muitos anos, até o final da vida do paciente. Eventualmente, a forma indeterminada pode evoluir para formas sintomáticas ou determinadas, sendo as mais comuns a cardíaca e a digestiva.

Na forma cardíaca, a manifestação clínica mais comum é a insuficiência cardíaca congestiva, acompanhada de alterações eletrocardiográficas típicas, como o bloqueio completo do ramo direito e, frequentemente, o hemibloqueio anterior esquerdo. Em casos avançados ocorre cardiomegalia. Arritmias complexas e morte súbita são relativamente comuns.
Na forma digestiva, a destruição dos plexos nervosos ao longo do tato digestivo produz alterações funcionais e morfológicas principalmente no esôfago, no cólon ou ambos. As manifestações clínicas mais comuns são aquelas associadas ao megaesôfago (disfagia, regurgitação, dor epigátrica) e o megacólon (constipação intestinal crônica, distensão abdominal).

Podem também ocorrer formas mistas, onde se associam sintomas cardíacos e digestivos.
Em pacientes imunocomprometidos pode ocorrer a forma cerebral. Nesta, observa-se geralmente meningoencefalite que pode assemelhar-se ao quadro de toxoplasmose, um importante diagnóstico diferencial a ser feito pelo clínico.

Quando há manifestações clínicas da doença, em geral se observam infiltrados inflamatórios nos tecidos afetados, mas a carga parasitária em tecidos cronicamente infectados é muito baixa, o que sugere que as lesões teciduais que produzem as manifestações clínicas da doença de Chagas se devem essencialmente a uma resposta autoimune contra células do hospedeiro, desencadeadas originalmente pela presença do parasito. Por outro lado, vem-se observando mais recentemente uma relação direta entre a carga parasitária inicial e a gravidade das lesões teciduais observadas na fase crônica em modelos experimentais, dados que indicam uma participação direta do parasito na patologia.

4.0 EPIDEMIOLOGIA


            A doença de Chagas ocorre especialmente na América Latina. Entretanto, nas últimas décadas ela vem sendo cada vez mais detectada nos EUA, Canadá e Europa, especialmente devido a mobilidade populacional entre América Latina e o resto do mundo.
De acordo com dados recentes da Organização Mundial de Saúde, verifica-se infecção por via vetorial desde o sul dos EUA até o sul da Argentina e Chile, abrangendo todos os países da América Central e do Sul, com 7 a 8 milhões de indivíduos infectados, 21.000 mortes anuais e uma incidência de 300.000 novos casos por ano. No Brasil estima-se a existência de 5 milhões de portadores da infecção.


5.0 DIAGNÓSTICO

5.1 Clínico


            A origem do paciente e/ou os sinais da porta de entrada do T. cruzi, acompanhados de febre irregular ou ausente, adenopatia satélite ou generalizada, hepatoesplenomegalia, taquicardia, edema generalizado ou dos pés, fazem suspeitar da fase aguda da doença de Chagas. As alterações cardíacas acompanhadas de sinais de insuficiência cardíaca confirmadas pelo eletrocardiograma e as alterações digestivas do esôfago e do cólon (reveladas pelos raios X) fazem suspeitar da fase crônica da doença. Entretanto, em ambos os casos, há necessidade de confirmação do diagnóstico por métodos laboratoriais.

5.2 Laboratorial


            Os métodos laboratoriais de diagnóstico da doença de Chagas apresentam diferentes resultados se aplicados na fase aguda ou na fase crônica da infecção.
Na fase aguda observam-se: alta parasitemia, presença de anticorpos inespecíficos e início de formação de anticorpos específicos (IgM e IgG) que podem atingir níveis elevados. Nesta fase recomenda-se pesquisa direta do parasito, podendo ser feita, entre outras técnicas, por: a) exame de sangue a fresco; b) exame de sangue em gota espessa; c) esfregaço sanguíneo corado pelo Giemsa; d) métodos de concentração; e) xenodiagnóstico e f) hemocultura. Se necessário, a pesquisa indireta do parasito por ser feita, tendo como principais técnicas a reação de imunofluorescência indireta (RIFI) e ensaio imunoenzimático (ELISA).

Na fase crônica, observam-se baixíssima parasitemia e presença de anticorpos específicos (IgG), assim, recomenda-se para o diagnóstico métodos sorológicos, como: a) RIFI; b) ELISA; c) reação de hemaglutinação indireta (RHI); d) reação de fixação de complemento (RFC).  A Organização Mundial de Saúde (OMS) recomenda que o diagnóstico sorológico da doença de Chagas seja realizado utilizando sempre dois testes sorológicos diferentes em paralelo. A pesquisa do parasito (diagnóstico parasitológico) por métodos indiretos como xenodiagnóstico, hemocultura ou inoculação em animais de laboratório, torna-se especialmente necessária quando a sorologia é duvidosa.
A reação em cadeia de polimerase (PCR) permite a detecção de parasitos no sangue e tecidos de pacientes com elevada sensibilidade mesmo na fase crônica, pois é capaz de detectar quantidades de DNA de uma única célula do parasito. É frequentemente utilizada no contexto de pesquisa, mas ainda não se tornou amplamente disponível em laboratórios de rotina.

Para diagnóstico e triagem de doadores de sangue, recomenda-se o uso de ao menos três técnicas sorológicas distintas, das quais devem ser obtidos um mínimo de dois resultados concordantes, para reduzir o risco de reações falso-negativas.

6.0 TRATAMENTO


            Apesar dos grandes esforços, o tratamento para a doença de Chagas continua parcialmente ineficaz. Diversas drogas vêm sendo testadas em animais e algumas delas têm sido usadas no homem, mas nenhuma consegue suprimir a infecção pelo T. cruzi e promover uma cura definitiva em todos os pacientes tratados.
            Outro sério problema enfrentado refere-se as diferenças regionais na susceptibilidade pelo T. cruzi à droga, o que reflete a diversidade genética do parasito. Um ponto, entretanto, deve ser salientado: as drogas são mais eficientes quando aplicadas em esquemas terapêuticos prolongados, para manutenção de níveis duradouros e eliminação das formas sanguíneas até a exaustão das formas teciduais.

            Duas drogas têm sido utilizadas, apesar dos efeitos colaterais, que incluem anorexia, perda de peso, náuseas, vômitos, cefaléias, polineuropatia, entre outros:
a) Nifurtimox: age contra as formas sanguíneas e parcialmente contra as teciduais. É administrado por via oral, sob a forma de comprimidos. Entretanto, foi recentemente retirado do mercado.

b) Benzonidazol: administrado por via oral, sob a forma de comprimidos, atua apenas sobre as formas sanguíneas.

6.1 Alvos para o desenvolvimento de novos medicamentos


            Muitos estudos têm sido conduzidos na procura de terapias alternativas para a doença de Chagas, a descoberta de alvos metabólicos para desenvolver medicamentos com ação tripanocida é uma prioridade de pesquisa e desenvolvimento.
Muitos alvos têm sido apontados para o desenvolvimento de novos medicamentos, entre eles:

a) Cisteíno-proteases: participam de vários processos celulares fundamentais no ciclo de vida de T. cruzi, como o metabolismo energético, a diferenciação, a invasão da célula hospedeira e a evasão do sistema imune. A cisteíno-protease mais abundante em T. cruzi é a cruzapaína, ausente nos hospedeiros mamíferos.
b) Via de síntese de esteróis: fornece alvos promissores, uma vez que o principal esterol nas membranas de T. cruzi é o ergosterol, e não o colesterol, presente nas células dos hospedeiros mamíferos, possibilitando o desenvolvimento de inibidores seletivos.

c) Metabolismo redox: nos tripanossomatídeos apresenta a peculiaridade de basear-se na produção de tripanotiona, uma tiol-poliamina conjugada presente exclusivamente em T. cruzi, em vez da glutationa, fornecendo assim um potencial alvo.

7.0 PREVENÇÃO E CONTROLE


            Não há vacina para a doença de Chagas. A principal via de transmissão da doença de Chagas é a vetorial, mas a infecção pode ser adquirida por vias alternativas, que exigem medidas de prevenção específicas. Acredita-se que a transmissão oral tenha maior relevância epidemiológica do que se suspeitava até recentemente, sendo os principais veículos descritos o caldo de cana e a polpa ou suco de açaí e outras palmeiras amazônicas, contaminados durante seu preparo com fezes de triatomíneos infectados.
            A transmissão transfusional é extremamente importante em regiões com grande número de doadores de sangue provenientes de áreas endêmicas.

            A doença de Chagas pode ser também adquirida por via transplacentária (congênita), bem como em acidentes de laboratório ou transplante de órgãos. 
            O controle vetorial é o método mais efetivo de prevenção da doença de Chagas na América Latina. A análise do sangue de doadores é fundamental na prevenção da transmissão através da transfusão sanguínea e do transplante de órgãos.

Os recentes sucessos obtidos no controle da transmissão da doença de Chagas no Brasil devem-se a um programa de eliminação de vetores domiciliados e à melhoria da qualidade do sangue e demais hemoderivados usados em transfusões.
            Os inseticidas organoclorados vêm sendo substituídos por piretróides, que apresentam ação residual inseticida e repelente, sendo os ciclos de borrifação a cada 12 meses até a completa erradicação de colônias intradomiciliares de triatomíneos. A prevenção da transmissão transfusional requer a triagem sorológica dos doadores de sangue. O sangue de doadores com resultado positivo ou duvidoso deve ser descartado. O controle da transmissão oral requer medidas de educação em saúde pública sobre os alimentos de risco.

            Assim, atualmente as medidas profiláticas que podem ser sugeridas são:
i) Melhoria das habitações rurais;

ii) Combate ao inseto vetor;
iii) Controle de doadores de sangue e órgão;

iiii) Controle da transmissão congênita;
iiiii) Vacinação.

            Apesar de todos os estudos e grande melhora do quadro geral nas últimas décadas, a doença de Chagas, ou tripanossomíase americana, continua sendo um grande desafio para a saúde pública atual, sobretudo nas Américas, onde ocorre seu ciclo natural e onde se presencia os maiores danos causados por esta doença, requerendo ainda muitos estudos e investimentos, na busca por métodos diagnósticos seguros e de fácil aplicação, por um tratamento efetivo e no desenvolvimento de uma vacina eficaz.
15 de abr. de 2013
Trypanosoma cruzi e doença de Chagas - Parte I

Trypanosoma cruzi e doença de Chagas - Parte I


1.0 INTRODUÇÃO

            A doença de Chagas ou tripanossomíase americana é causada pelo protozoário flagelado Trypanosoma cruzi, cujo ciclo de vida transcorre entre insetos vetores reduvídeos e hospedeiros mamíferos. A Organização Mundial de saúde classifica a doença de Chagas entre as treze doenças tropicais mais negligenciadas, constituindo um importante problema social e econômico na América Latina.
            O ciclo natural ocorre exclusivamente nas Américas, onde o inseto vetor está presente. Com base no achado de DNA do parasito em tecidos de múmias de civilizações pré-colombianas, acredita-se que T. cruzi infecte populações humanas há 9.000 anos.

            A doença de Chagas foi descrita pela primeira vez, em 1909, pelo médico e cientista brasileiro Carlos Ribeiro Justiniano das Chagas. Em um caso único na história da medicina, Carlos Chagas descreveu, além da doença, seu agente etiológico, o ciclo de transmissão, os hospedeiros vertebrados, os vetores e as manifestações clínicas da fase aguda no primeiro caso humano estudado (a menina Berenice, de 02 anos de idade).

2.0 ASPECTOS BIOLÓGICOS

            De acordo com a classificação tradicional de Norman Levine, T. cruzi pertence à ordem Kinetoplastidae, que reúne protozoários com cinetoplasto, uma estrutura composta de DNA mitocondrial (kDNA). Nessa ordem, o T. cruzi localiza-se na família Trypanosomatidae, que reúne organismos com o kDNA em forma de rede. Todos os tripanossomatídeos são parasitos.
            O kDNA de T. cruzi representa aproximadamente 30% do total de DNA da célula, arranjado em maxicírculos e minicírculos. O cinetoplasto compreende cerca de 50 maxicírculos, grandes estruturas de DNA circular com aproximadamente 20.000 pares de bases, além de cerca de 20.000 minicírculos, estruturas menores de DNA circular, com cerca de 1.500 pares de bases. Os maxicírculos compreendem genes que codificam proteínas mitocondriais, no entanto, não codificam as mensagens completas para a síntese dessas proteínas, devendo ser editadas (adição ou remoção de uridinas) para permitir a síntese de proteínas funcionais. O processo de edição depende de uma série de fatores, entre eles a ação de moléculas de RNA transcritas a partir dos minicírculos, chamadas RNA guia.

2.1 Hospedeiros
            Os primeiros reservatórios conhecidos do T. cruzi, além dos humanos, foram o tatu, o cão e o gato, estudados por Chagas em 1909. Hoje já se sabe que sete ordens de mamíferos apresentam espécies que foram encontradas infectadas pelo T. cruzi, dos quais 10 são domésticos e 71 silvestres. De todos eles, os reservatórios silvestras mais importantes são o tatu e o gambá. E entre os domésticos destacam-se o cão, o gato e o rato (além dos próprios humanos). As aves e os répteis são refratários ao T. cruzi, não funcionando como reservatórios.

2.2 Vetores
            Os vetores da doença de Chagas são insetos hemípteros hematófagos da família Reduviidae. Os insetos adultos recebem, em diferentes regiões do Brasil, os nomes de barbeiro, bicudo, chupão, chupança e vários outros.

            Embora com grandes semelhanças, algumas características simples diferenciam os triatomíneos dos hemípteros predadores e fitófagos. A diferença mais evidente está na probóscida. A probóscida dos triatomíneos hematófagos é reta e curta, composta de três seguimentos, não ultrapassando o primeiro par de patas do inseto quando em repouso. Os predadores também apresentam a probóscida curta, com três segmentos e não ultrapassando o primeiro par de patas, porém, esta é curva. Já a probóscida dos fitófagos é reta e longa, com quatro seguimentos e ultrapassando o primeiro par de patas quando em repouso.
            Todos os triatomíneos são potenciais vetores da doença de Chagas. Dentre as espécies descritas, existem aquelas de hábitos domiciliares, domésticos e peridomiciliares, que são as responsáveis por fazer a interligação entre o ciclo silvestre e o ciclo domiciliar na transmissão. Vem ocorrendo domiciliação progressiva de certas espécies de triatomíneos, o que pode mudar o padrão de transmissão da doença.

            No Brasil, as espécies vetoras mais importantes são Triatoma infestans, Panstrongylus megistus e Triatoma brasiliensis. No norte da América do Sul e em diversos países da América Central, Rhodnius prolixus é o principal vetor da doença de Chagas. A diferenciação entre os três principais gêneros pode ser feita comparando-se a posição da inserção da antena. Em Panstrongylus, é inserção da antena é junto a base dos olhos. No gênero Triatoma, a inserção da antena ocorre em posição intermediária entre os olhos e o clípeo. Já em Rhodnius, a antena está inserida na extremidade anterior do clípeo, longe dos olhos.
            T. infestans é o principal vetor do T. cruzi em grande parte da América do Sul, sendo os adultos capazes de voar, mas não atingem grandes distâncias. O T. brasiliensis é um importante vetor da doença de Chagas no sertão nordestino. Já o P. megistus apresenta ampla distribuição geográfica no Brasil, sendo o principal vetor da doença de Chagas em certas áreas endêmicas, especialmente na Bahia e em Minas Gerais.

2.3 Agente etiológico
            T. cruzi apresenta grande diversidade biológica, associada à sua distribuição geográfica, ao grande número de mamíferos que podem ser infectados, a variedade de manifestações clínicas e de resposta ao tratamento em pacientes. Desde a década de 1960, observa-se grande polimorfismo biológico e de comportamento em T. cruzi.

            Com base em tamanhos de produtos de digestão de kDNA, foram propostos, na década de 1980, os agrupamentos conhecidos como esquizodemas. No final da década de 1990, a partir da análise de seqüências dos genes de RNA ribossômico, observou-se que T. cruzi podia ser classificado em dois grupos majoritários (T. cruzi Ie T. cruzi II, com alguns isolados híbridos).
            Com a análise de maior numero de isolados e cepas, o grupo T. cruzi II foi progressivamente subdividido em IIa, IIb, IIc, IId e IIe. O consenso mais recente sugere o agrupamento dos isolados de T. cruzi em seis grupos principais, numerados com algarismos romanos de I a VI.

            O T. cruzi apresenta vários estágios durante seu ciclo biológico, sendo os principais encontrados no tubo digestivo do inseto vetor os epimastigotas e os tripomastigotas metacíclicos. No hospedeiro mamífero, predominam os amastigotas, no interior de células nucleadas, e os tripomastigotas na corrente sanguínea. Os demais estágios descritos no vetor, como os esferomastigotas, e no hospedeiro invertebrado, como exemplo os epimastigotas intracelulares, são transitórios. Cada um destes estágios pode ser identificado com base em parâmetros morfológicos como posição relativa do flagelo, do núcleo e do cinetoplasto, bem como a partir de propriedades biológicas e de sua constituição protéica.
            Os amastigotas são tipicamente arredondados ou ovóides, com um flagelo que não chega e emergir do bolso flagelar e cinetoplasto próximo ao núcleo. Ocorrem no ciclo intracelular nos mamíferos, constituindo o estágio reprodutivo nestes hospedeiros. Multiplicam-se por divisão binária no citoplasma das células infectadas.

            Os tripomastigotas são formas extracelulares, alongadas, apresentam um flagelo que emerge do bolso flagelar na parte posterior da célula e a percorre na direção longitudinal até a parte anterior, ligado a membrana. O cinetoplasto está situado em posição posterior ao núcleo. Por serem encontrados no hospedeiro mamífero majoritariamente no sangue, são conhecidos como tripomastigotas sanguícolas ou sanguíneos. Nos triatomíneos são encontrados na extremidade distal do tubo digestivo, sendo denominados tripomastigotas metacíclicos. Os tripomastigotas não se reproduzem, mas são as principais formas infectantes do parasito. Apesar das semelhanças morfológicas e biológicas, tripomastigotas sanguíneos e metacíclicos diferem entre si quanto ao metabolismo e ao perfil de expressão de proteínas.
            Os epimastigotas são estágios extracelulares alongados, com cinetoplasto anterior e próximo ao núcleo. O flagelo também forma uma membrana ondulante, porém mais curta e menos evidente. São encontrados no intestino médio dos triatomíneos, onde se multiplicam abundantemente por fissão binária. São as únicas formas capazes de reproduzir-se que podem ser mantidas em cultivo axênico.

2.4 Ciclo
            O ciclo de vida de T. cruzi é digenético, com um hospedeiro mamífero e um inseto. Em ambos os hospedeiros, observa-se a alternância entre estágios reprodutivos não infectantes e estágios infectantes que não se reproduzem.

            Os insetos vetores infectam-se ao realizarem o repasto sanguíneo sobre mamíferos infectados com formas tripomastigotas circulantes no sangue. Os tripomastigotas sanguíneos são ingeridos e diferenciam-se em epimastigotas no intestino médio do inseto. Nessa fase observam-se estágios de diferenciação transitórios, como os esferomastigotas.
            Os epimastigotas multiplicam-se por fissão binária e colonizam o intestino médio e posterior do inseto. Na porção distal do tubo digestivo, os epimastigotas aderem-se as células epiteliais e inicia-se o processo de diferenciação em tripomastigotas metacíclicos, infectantes. Os estímulos para desencadear a diferenciação do parasito no tubo digestivo do vetor, conhecida como metaciclogênese, são a queda de pH abaixo de 5,5 e o estresse metabólico.

            Os tripomastigotas metacíclicos perdem a aderência ao epitélio intestinal, sendo liberados na luz da porção distal do tubo digestivo do vetor. Desta maneira, o parasito prepara-se para o encontro com o hospedeiro mamífero, no próximo repasto sanguíneo do vetor.
            Não há relatos na literatura de transmissão horizontal nem de cura em triatomíneos infectados.

             Os triatomíneos defecam durante ou pouco após o repasto sanguíneo, depositando as fezes sobre a pele do mamífero do qual se alimentam. Nas fezes dos triatomíneos infectados, encontram-se tripomastigotas metacíclicos, capazes de penetrarem no novo hospedeiro por pequenas lesões na pele ou por mucosas, mesmo íntegras.
            Ao penetrar células os parasitos diferenciam-se em amastigotas, capazes de reproduzir-se e estabelecer a infecção. Os estímulos para essa diferenciação são pouco conhecidos, podendo ser devida a uma queda de pH, a qual ocorre quando o parasito invade células de mamíferos e se aloja no vacúolo parasitóforo. Portanto, a invasão das células hospedeiras é um processo fundamental para a diferenciação do parasito em um estágio capaz de reproduzir-se.

            A invasão celular depende de múltiplas interações, bem coordenadas, entre a célula hospedeira e o parasito. Do ponto de vista do parasito, o processo de invasão de células sem grande capacidade fagocitária é ativo, dependente de energia. Durante a invaginação da membrana plasmática, há a fusão de lisossomos para formar o vacúolo parasitóforo, levando a uma acidificação da luz do vacúolo, o que submete o parasito a condições de estresse necessárias para iniciar a diferenciação em amastigotas.
            Quando o parasito invade células com grande capacidade fagocitária, a internalização pode ocorrer através de um processo semelhante à fagocitose, com a fusão dos lisossomos imediatamente depois da formação de um vacúolo com características de fagossomo, formando-se assim o vacúolo parasitóforo de conteúdo ácido.

            A membrana do vacúolo parasitóforo maduro logo se rompe, liberando o parasito no citoplasma da célula hospedeira. Livre no citosol, o parasito diferencia-se em amastigota, que inicia sua replicação por fissão binária. Cada tripomastigota que peneta uma célula hospedeira originará até 500 amastigotas.
            Depois de um número variável de divisões celulares, os parasitos diferenciam-se em tripomastigotas, passando por um estágio intermediário conhecido como epimastigota intracelular. Os tripomastigotas rompem a membrana plasmática da célula hospedeira, sendo liberados no meio extracelular. Podem invadir células vizinhas, ou atingir a corrente sanguínea, disseminando-se para outros órgãos e tecidos. Ao fazer seu repasto sanguíneo em um hospedeiro mamífero com formas tripomastigotas sanguíneas, o vetor ingere estes estágios circulantes e se infecta.

            Ocasionalmente a célula hospedeira rompe-se antes da diferenciação dos amastigotas em tripomastigotas. Os amastigotas que chegam ao meio extracelular penetram em algumas células hospedeiras, especialmente células fagocitárias.
13 de abr. de 2013
Leishmania e Leishmaniose - Parte II

Leishmania e Leishmaniose - Parte II




3.0 ASPECTOS CLÍNICOS

Na maior parte dos casos, o local de inoculação do parasito, após a picada do flebotomíneo, é difícil de ser reconhecido. Após um período de incubação de 2 a 8 semanas, podem surgir sinais e sintomas de leishmaniose. No entanto, muitas infecções são assintomáticas. Estudos epidemiológicos em áreas endêmicas de leishmaniose visceral mostram que somente 5 a 6% das pessoas infectadas desenvolvem sintomas. Na leishmaniose tegumentar não se dispõe de dados precisos quanto a proporção de indivíduos infectados que desenvolvem a doença.
As diferentes formas clínicas podem ser agrupadas em leishmaniose tegumentar e visceral (Calazar), sendo que a principal espécie causadora da leishmaniose tegumentar no Brasil, tanto em número de casos quanto em distribuição geográfica, é Leishmania (Viannia) brasiliensis. Já a leishmaniose visceral, no Brasil, é causada principalmente pela espécie Leishmania (Leishmania) infantum chagasi.


3.1 Leishmaniose tegumentar
            Um amplo espectro de formas pode ser visto na leishmaniose tegumentar, variando desde uma lesão auto resolutiva até lesões desfigurantes. Esta variação está ligada ao estado imunológico do paciente e às espécies de Leishmania. Estas formas podem ser agrupadas em três tipos básicos:


3.1.1 Leishmaniose cutânea
            Caracterizada pela formação de úlceras únicas ou múltiplas, de bordas elevadas e fundo granular, lembrando o topo de uma “cratera de vulcão”, com alta densidade de parasitos nas fases iniciais. A lesão surge em região próxima a inoculação dos parasitos, podendo ou não ser seguida de lesões satélites ou secundárias. Infecções secundárias podem ocorrer, levando a formação de uma secreção purulenta.

            Após muitos meses, a(s) úlcera(s) pode(m) cicatrizar espontaneamente, com resolução da lesão cutânea.
A leishmaniose cutâneo-disseminada é uma forma de variação da leishmaniose cutânea e geralmente está relacionada a pacientes imunossuprimidos.

3.1.2 Leishmaniose cutânea difusa
            Esta forma geralmente está associada a infecções por L. (L.) amazonensis. Esta forma grave, extremamente rara, e não responsiva aos tratamentos convencionais, caracteriza-se pela presença de nódulos subcutâneos, não ulcerados, disseminados por todo o corpo.

            A doença inicia-se por uma úlcera única, evoluindo para a forma cutânea difusa em 40% dos pacientes parasitados por L. (L.) amazonensis, estando estritamente associada a uma deficiência imunológica do paciente.

3.1.3 Leishmaniose cutaneomucosa

            No Brasil, esta apresentação clínica esta associada a infecção por L. (V.) braziliensis. As lesões em mucosas oral e nasal podem surgir anos após o aparecimento das lesões cutâneas, mas podem também precedê-las ou mesmo surgir sem manifestações cutâneas. Produz lesões destrutivas, envolvendo mucosas e cartilagens, sobretudo no nariz, faringe, boca e laringe.

3.2 Leishmaniose visceral

            A leishmaniose visceral é uma doença crônica, endêmica em várias regiões do mundo. Caracteriza-se por febre intermitente e esplenomegalia (associada ou não a hepatomegalia), com progressivo emagrecimento e enfraquecimento geral do hospedeiro. Progressivamente, com o curso da doença, o paciente apresenta anemia, hemorragia gengival, edema, icterícia e ascite. Nestes pacientes, o óbito pode ser pelo parasitismo, porém, geralmente é determinado pela anemia e infecções intercorrentes.
Esta forma de leishmaniose pode ser uma das doenças oportunistas associadas a AIDS, situação em que o quadro clínico é muito variável e atípico. Em geral a evolução da doença é muito grave e a resposta ao tratamento muito precária, quando comparado a pacientes imunocompetentes.


4.0 EPIDEMIOLOGIA
            De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, as leishmanioses acometem 12 milhões de pessoas no mundo, sendo endêmica em 88 países tropicais e subtropicais, com 1,5 a 2,0 milhões de novos casos a cada ano, havendo 350 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco de se contrair esta doença.

            Destes novos casos, de 1,0 a 1,5 milhões correspondem a forma cutânea e cerca de 0,5 milhão a forma visceral.
            Nas últimas décadas a epidemiologia da leishmaniose tem-se alterado no Brasil. Com freqüência cada vez maior identificam-se novos focos de transmissão em áreas urbanas. Surtos recentes em capitais como Belo Horizonte e Recife, mostram que as leishmanioses estão em franca expansão geográfica. A urbanização da leishmaniose visceral, alastrando-se por cidades como Teresina, Belo Horizonte, Campo Grande e Araçatuba, é também motivo de grande preocupação entre os profissionais de saúde pública.

            Apesar de ser uma doença de notificação compulsória, o caráter crônico das leishmanioses, as dificuldades no diagnóstico e a ocorrência de casos em regiões remotas do país, fazem crer que exista grande subnotificação. As estatísitcas do Ministéria da Saúde relatam uma incidência média anual de 25.678 casos de leishmaniose tegumentar e 3.485 de leishmaniose visceral no período de 2000 a 2010.

5.0 DIAGNÓSTICO

5.1 Clínico
            O diagnóstico clínico da leishmaniose tegumentar é feito com base nas características das lesões, associado a anamnese, na qual os dados epidemiológicos são de extrema importância. Deve ser feito diagnóstico diferencial de outras dermatoses que apresentam lesões semelhantes, como tuberculose cutânea, hanseníase, infecções por fungos, úlcera tropical e neoplasmas.

            Na leishmaniose visceral, o diagnóstico clínico baseia-se também nos sintomas apresentados pelo paciente associado a história de residência em área endêmica. Deve ser feito também diagnóstico diferencial de outras patologias que apresentam sintomatologia semelhante, como malária, toxoplasmose, tuberculose e esquistossomose, principalmente em áreas onde ocorre superposição na distribuição das doenças.

5.2 Laboratorial

            O diagnóstico laboratorial dispõe de várias técnicas para sua realização, sendo as principais:
a) Pesquisa do parasito: o diagnóstico baseia-se na observação direta do parasito em preparações de material obtido de lesão ou de aspirado de medula óssea, baço, fígado e linfonodo, através de:

• Exame direto de esfregaço corado;
• Exame histopatológico;

• Cultura;
• Inóculo em animais.

b) Pesquisa de DNA do parasito: a pesquisa de DNA do parasito por reação em cadeia de polimerase (PCR) tem sido avaliada em diferentes centros de pesquisa para o diagnóstico da leishmaniose, apresentando alta sensibilidade e especificidade, podendo ser realizada com pequena quantidade de material biológico. Entretanto, a PCR não está, ainda, disponível para uso rotineiro em diagnóstico humano.
c) Métodos imunológicos: métodos imunológicos podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico. Os testes apresentam sensibilidade e especificidade variáveis, entretanto, devem ser a escolha imediata na suspeita clínica, principalmente pela ausência de riscos para o paciente. A aplicação no diagnóstico de pacientes imunossuprimidos requer cuidado na interpretação dos resultados. As principais técnicas imunológicas são:

• Teste de Montenegro;
• Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI);

• Ensaio Imunoenzimático (ELISA);
• Reação de Fixação do Complemento (RFC).


6.0 TRATAMENTO
            Os medicamentos de primeira escolha na terapêutica das leishmanioses são os antimoniais pentavalentes, instituídos em substituição aos antimoniais trivalentes a partir de 1920. Nas Américas, utiliza-se o antimoniato de meglumina. Na Europa, Ásia e África, o medicamento de escolha é o estibogliconato de sódio.

            O tratamento com antimoniais pode levar a uma grande variedade de efeitos colaterais e induzir resistência no parasito, sendo que na Índia, 80% dos parasitos isolados de casos humanos são resistentes a estes.
            O medicamento de segunda escolha é a anfotericina B, também capaz de produzir toxicidade, especialmente nefrotoxicidade. Recentemente, o uso de anfotericina B lipossomal tem possibilitado a redução na dose e consequentemente da toxicidade, entretanto, o alto custo figura-se como um limitante para esta nova formulação.

            Recentemente, o primeiro medicamento de uso oral foi aprovado, o miltefosine, introduzido na Índia para o tratamento da leishmaniose visceral. Este tratamento tem mostrado bons resultados, e encontra-se em teste na América Latina para o tratamento da leishmaniose tegumentar, entretanto, por ser uma substância teratogênica, não pode ser usado em gestantes.
            Assim, existe uma necessidade urgente por novas drogas leishmanicidas, dada a ineficácia dos tratamentos atuais, sua alta toxicidade e o aparecimento cada vez mais comum de cepas resistentes aos tratamentos convencionais.


7.0 PREVENÇÃO E CONTROLE
            Não existem vacinas contra a leishmaniose para uso humano, assim, as medidas de prevenção e controle concentram-se em três frentes de atuação: a) diagnóstico e tratamento dos doentes; b) eliminação dos reservatórios (cães) com sorologia positiva; c) combate ao inseto vetor.

            As propostas de controle das leishmanioses devem levar em consideração as diferentes situações epidemiológicas em que ocorrem as infecções. Para leishmaniose tegumentar clássica, de ciclo silvestre, no interior ou nas proximidades de regiões de mata, a profilaxia se faz por métodos de proteção individual, com uso de repelentes, telas nas janelas e mosquiteiros impregnados com inseticidas, já que neste contexto o controle dos reservatórios é impraticável, por serem animais silvestres.
            No caso da leishmaniose visceral, identifica-se o cão como um reservatório importante na cadeia de transmissão, assim, recomenda-se, em geral, o tratamento dos doentes e o sacrifício dos cães infectados.

            A aplicação de inseticidas de efeito residual em habitações reduz a transmissão, especialmente em áreas urbanas.
            Apesar de todas as medidas de controle, e conhecimento desenvolvido a cerca das leishmanioses, estas ainda continuam como um grande desafio em vários aspectos, desde seu diagnóstico até o seu tratamento e prevenção, especialmente no contexto atual, de expansão geográfica, aumento de incidência e ameaça de seleção de parasitos resistentes.

8 de abr. de 2013
Leishmania e Leishmanioses - Parte I

Leishmania e Leishmanioses - Parte I


 Leishmania e as Leishmanioses


1.0 INTRODUÇÃO
        As leishmanioses constituem um grupo de doenças causadas por protozoários flagelados pertencentes ao gênero Leishmania, ordem Kinetoplastida e família Trypanosomatidae. Este gênero apresenta mais de 30 espécies descritas, com 20 delas envolvidas em casos humanos, sendo uma doença endêmica em 88 países e presente nas Américas, África, Europa e Ásia, com cerca de 350 milhões de pessoas vivendo em área de risco de transmissão.
        Durante o seu ciclo de vida, heteroxeno, parasita hospedeiros vertebrados (grande variedade de mamíferos) e invertebrados, sendo a transmissão através da picada do inseto infectado no momento do repasto sanguíneo.

     A infecção em aves e anfíbios nunca foi descrita. Os organismos encontrados parasitando répteis, que até o século passado pertenciam ao gênero Leishmania, foram agrupados em outro gênero, o Sauroleishmania.

2.0 ASPECTOS BIOLÓGICOS

         Embora seja uma doença antiga nas Américas, presente desde a época dos Maias, apenas em 1903 foi descrita cientificamente por Leishman e Donovan.

2.1 Hospedeiros

            A maioria das espécies de Leishmania tem como hospedeiros vertebrados naturais diversos mamíferos silvestres ou domésticos, tendo os roedores e canídeos como principais reservatórios do parasito. Classicamente, o homem é considerado um hospedeiro acidental, adquirindo a doença ao adentrar áreas silvestres, onde o ciclo de Leishmaniaocorre sem prejuízo para a saúde dos animais ou dos insetos vetores.

2.2 Vetores

            As leishmânias são transmitidas ao hospedeiro mamífero pela picada da fêmea dos insetos vetores, pequenos dípteros que pertencem aos gêneros Phlebotomus, no Velho Mundo, e Lutzomyia e, em menor escala, Psychodopygos, no Novo Mundo (Américas), compreendendo mais de 30 espécies de flebotomíneos.
            Os flebotomíneos são insetos pequenos, com 2 a 3 mm de comprimento, muito pilosos e que não fazem barulho ao voar. Encontram-se perto de habitações humanas e multiplicam-se próximos a restos orgânicos, sendo mais ativos ao amanhecer e ao entardecer. Apenas as fêmeas alimentam-se de sangue.

No Brasil, os flebotomineos são conhecidos como mosquito-palha, birigui, cangalha ou tatuíra, dependendo da região do país.

2.3 Agente etiológico

            A morfologia dos parasitos deste gênero guarda semelhanças entre as diferentes espécies, apresentando duas formas morfológicas principais em seu ciclo, a forma promastigota, extracelular, flagelada e a forma amastigota, intracelular e sem flagelo visível à microscopia óptica.
            As formas promastigotas são encontradas no intestino do inseto vetor. São alongadas, com flagelo livre emergindo da porção anterior do parasito. O flagelo origina-se a partir do cinetoplasto, região especializada da única mitocôndria encontrada nesses parasitos. O cinetoplasto contém grande quantidade de DNA extra nuclear, organizado em moléculas circulares: os maxicírculos e os minicírculos. O núcleo é arredondado ou oval, situado na região mediana ou ligeiramente na porção anterior do corpo. O cinetoplasto, em forma de bastão, localiza-se na porção mediana, entre a extremidade anterior e o núcleo. O flagelo apresenta sempre medidas iguais ou superiores ao maior diâmetro do corpo.

            As formas amastigotas são ovaladas. A membrana apresenta uma invaginação na região anterior do corpo, formando a bolsa flagelar, onde se localiza o flagelo. O núcleo, grande e arredondado, ocupa cerca de um terço do corpo do parasito e o cinetoplasto, em posição anterior ao núcleo, apresenta-se na forma de um pequeno bastonete.
       Os protozoários do gênero Leishamaniacontêm ainda glicossomos, organelas essenciais que participam da regulação metabólica necessária à adaptação a ambientes tão diversos quanto os encontrados nos diferentes hospedeiros.

2.4 Ciclo
            O ciclo da Leishmania se completa com a passagem por dois hospedeiros, um vertebrado mamífero e o inseto vetor. A infecção do flebotomíneo fêmea ocorre por ingestão de sangue contaminado de um hospedeiro mamífero. Os parasitos ingeridos junto com o sangue se diferenciam em promastigotas procíclicos, que sobrevivem no meio extracelular e se multiplicam por divisão binária. Estes nutrem-se do conteúdo intestinal do inseto, utilizando principalmente a glicose e a prolina como fontes de carbono. A medida que os nutrientes no tubo digestivo do inseto escasseiam, os promastigotas procíclicos se diferenciam em metacíclicos, diferenciação que se traduz em mudanças morfológicas, como o aumento da extensão do flagelo e o encurtamento do corpo do parasito, e também bioquímicas. O promastigota metacíclico é incapaz de se multiplicar, devendo ser inoculado no mamífero para dar continuidade ao ciclo.

            Os diferentes estágios do parasito ocupam também habitats distintos no interior do inseto. Após o repasto sanguíneo e sua diferenciação em promastigotas, os parasitos são encontrados no interior da membrana peritrófica, misturados ao conteúdo do repasto sanguíneo. Para escapar das enzimas digestivas que serão secretadas no saco alimentar, os promastigotas escapam de seu interior e, mediante interações de moléculas presentes do lado exterior de sua membrana plasmática e lectinas presentes no trato digestivo do inseto vetor, instalam-se na região do intestino anterior (subgênero Leishmania) ou no intestino posterior (subgênero Viannia). Aderidos ao epitélio digestivo, os promastigotas multiplicam-se extensivamente. Alguns dias depois, com a redução do conteúdo de nutrientes do intestino, ocorre a diferenciação para promastigotas metacíclicos. As moléculas presentes na superfície do parasito são alteradas, desaparecendo a capacidade de adesão específica a lectinas do epitélio.
          Os promastigotas metacíclicos, agora livres no interior do intestino, fazem uma migração retrógrada, até as porções anteriores do esôfago do inseto, onde passam a secretar fosfolipídios, formando uma substância gelatinosa capaz de obstruir, em parte, o local por onde deverá passar o sangue do próximo repasto sanguíneo. Por isso, o flebotomíneo infectado precisa picar inúmeras vezes até atingir a saciedade, regurgitando parasitos e porções este material gelatinoso a cada picada. Assim, os promastigotas metacíclicos são injetados nos mamíferos, misturados à saliva e ao geral secretado anteriormente, ambos representando fatores importantes para o estabelecimento da infecção.

            Os promastigotas metacíclicos são resistentes a lise pelo sistema complemento, o qual é ativado por fatores inflamatórios presentes na saliva do inseto, e se deposita na superfície do promastigota opsonizando-o, assim o tornando pré-disposto para a fagocitose por células especializadas, os polimorfonucleares e os macrófagos.
            Um grande número de neutrófilos é atraído para o sítio de inoculação do parasito devido a lesão mecânica causada pela picada e a atividade inflamatória da saliva. A maioria dos promastigotas fagocitados por neutrófilos são destruídos no interior do fagossoma.

            Normalmente os neutrófilos têm um período curto de vida, que termina pela entrada em apoptose, quando são então fagocitados por macrófagos. Parte dos neutrófilos que fagocitam promastigotas têm sua fisiologia alterada, tornando-se incapazes de destruir os parasitos. Os promastigotas que conseguem instalar-se em compartimentos não líticos do neutrófilo retardam a apoptose e prolongam a vida da célula hospedeira enquanto macrófagos e células dendríticas são atraídas para o local da infecção. Em um segundo momento, os neutrófilos transferem os parasitos para o interior de macrófagos, por serem fagocitados ou liberando-os nas vizinhanças de macrófagos que chegam ao local da lesão.
            Os macrófagos são, de fato, as células hospedeiras por excelência para as leishmânias. Os componentes do Complemento depositados sobre os promastigotas favorecem a fagocitose pelos macrófagos através dos receptores CR3, que quando ativado induz fagocitose sem estimular a produção de intermediários reativos de oxigênio e nitrogênio.

            O parasito fagocitado permanece envolto pela membrana que forma o fagossomo ou vacúolo parasitóforo, lisossomos se fundem a este vacúolo despejando em seu interior seu conteúdo ácido e rico em enzimas proteolíticas. A sobrevivência dos promastigotas neste vacúolo se deve a produção de proteases de superfície por este, as quais levam a inativação das enzimas lisossômicas. O pH ácido remanescente e o aumento brusco da temperatura, devido a passagem do insetro para o mamífero, funcionam como sinais para uma nova transformação do parasito, que agora passa para a forma de amastigota.
     Os amastigotas são formas de vida intracelulares, adaptados ao ambiente fagolisossômico, multiplicam-se por divisão binária até que a quantidade seja suficiente para romper a membrana da célula hospedeira. Estes amastigotas liberados podem ser fagocitados por outros macrófagos ou migrar, por via hematogênica, para outros órgãos do hospedeiro mamífero.

            Os amastigotas ingeridos pelos flebotomíneos no momento do repasto sanguíneo, ao experimentarem a mudança de pH e de temperatura, novamente assumem a forma de promastigota no intestino do inseto.