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14 de mai. de 2013

Malária - Parte I





1.0 INTRODUÇÃO
        
        A malária, apesar de muito antiga, continua sendo um dos principais problemas de saúde pública do mundo e uma das principais doenças parasitárias da atualidade. É uma doença letal, transmitida para humanos pela picada de um inseto vetor infectado com espécies de protozoários do gênero Plamodium.

            Também conhecida como paludismo, febre palustre, impaludismo, maleita ou sezão, a malária foi primeiramente citada na era pré-Cristã, por Hipócrates, o qual descreveu suas características de ocorrência sazonal e de febre com padrão paroxístico e intermitente. Entretanto, somente no século XIX o termo malária teve origem, por acreditar-se que a doença era causada por vapores nocivos exalados dos pântanos, designando-a “mal aria”, cujo sentido literal é “mau ar”.

2.0 ASPECTOS BIOLÓGICOS


2.1 Vetores
            
          A malária é transmitida exclusivamente por mosquitos anofelinos, que também são capazes de transmitir a filariose linfática, em certas regiões do mundo, bem como algumas arboviroses.somente as fêmeas são hematófagas e, por isso, exercem o papel de vetor. O gênero Anophelespertence à ordem Diptera, família Culicidae e subfamília Anophelinae, na classificação zoológica.

  Anopheles são insetos dípteros holometabólicos, passam pelos estágios de ovo, larva e pupa antes de se transformarem em adultos. Das quase 500 espécies conhecidas de anofelinos, somente cerca de 70 têm importância como vetores da malária e 20 transmitem a malária humana. Três espécies do gênero Anopheles são classicamente consideradas vetores primários da malária no Brasil: An. darlingi, An. aquasalis e An. albitarsis.

2.2 Agente etiológico


       Os parasitos causadores da malária pertencem ao filo Apicomplexa, família Plasmodiidae e ao gênero Plasmodium. Atualmente são conhecidas cerca de 150 espécies causadoras de malária em diferentes hospedeiros vertebrados. Destas, apenas quatro espécies parasitam o homem: Plasmodium falciparum, P. vivax, P. malariae e P. ovale, este último ocorrendo apenas em regiões restritas do continente africano. Uma quinta espécie, P. knowlesi, é um parasito típicos de macacos do Velho Mundo que pode infectar seres humanos, tendo sido descritos alguns casos nos últimos anos, especialmente no Sudeste Asiático.
                 O P. falciparum e P. vivax são os mais comuns, sendo o P. falciparum o mais letal.


2.3 Ciclo

2.3.1 Hospedeiro vertebrado - humanos


             Os plasmódios apresentam um ciclo vital complexo. A infecção malárica humana inicia-se com a inoculação no tecido subcutâneo, durante o repasto sanguíneo, de 15 a 200 esporozoítosprovenientes das glândulas salivares de mosquitos fêmeas do gênero Anopheles. Estes chegam a corrente sanguínea ou linfática, alcançando o fígado cerca de 30 minutos após a inoculação onde são capturados pelas células de Küpffer e passam por diversos hepatócitos até se estabelecerem em um deles, local onde se processará o desenvolvimento parasitário.
         Após invadir o hepatócito, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré-eritrocíticos, os quais se multiplicam pro reprodução assexuada (esquizogonia) dando origem aos esquizontes teciduais, que apresentam milhares de núcleos, e posteriormente a merozoítos que invadirão os eritrócitos. Esta primeira fase do ciclo é denominada exo-eritrocítica, pré-eritrocítica ou tissular, precedendo o ciclo sanguíneo do parasito.

            Em P. vivax e P. ovale, alguns esporozoítos originam formas dormentes intra-hepáticas conhecidas como hipnozoítos. Semanas ou meses após a infecção primária, os hipnozoítos podem reativar-se, resultando nas recaídas tardias típicas da infecção humana por P. vivax e P. ovale.
                O ciclo eritrocítico inicia-se quando os merozoítos invadem os eritrócitos. A interação dos merozoítos com o eritrócito envolve o reconhecimento de receptores específicos, e o processo de invasão apresenta cinco etapas: 1ª) ocorre inicialmente o reconhecimento, a distância, de receptores da superfície da hemácia; 2ª) ocorre a reorientação do merozoíto, sendo posicionado o polo apical, que contém o complexo apical, em contato com a membrana da hemácia; 3ª) para entrada na célula, o parasito estabelece interações de alta afinidade com receptores da hemácia, a partir de seu pólo apical; 4ª) feixes de actina e miosina são utilizados para impulsionar-se adiante, formando um vacúolo a medida que penetra a célula; 5ª) finalmente, o merozoíto descarta suas moléculas que interagem com a membrana da hemácia, permitindo o fechamento do vacúolo que se formou durante a invasão.

            Para o P. falciparum, o principal receptor são as glicoforinas e para o P. vivax, a glicoproteína do grupo sanguíneo Duffy. Além disso, o P. vivax invade principalmente reticulócitos, enquanto o P. falciparum invade hemácias de todas as idades. Já o P. malaria e invade preferencialmente hemácias maduras.
            Após invadir os eritrócitos, os merozoítos se transformam em trofozoítos jovense posteriormente em trofozoítos maduros. O desenvolvimento intra-eritrocítico do parasito se dá por esquizogonia, com conseqüente formação de esquizontes, que darão origem a merozoítos, os quais invadirão novos eritrócitos. Depois de algumas gerações de merozoítos sanguíneos, ocorre a diferenciação em estágios sexuados, os gametócitos, que seguirão o seu desenvolvimento no mosquito vetor, dando origem aos esporozoítos.

            O ciclo sanguíneo se repete sucessivas vezes, a cada 48 horas nas infecções pelo P. falciparum, P. vivax e P. ovale, e a cada 72 horas nas infecções pelo P. malariae.

2.3.2 Hospedeiro invertebrado - inseto


            Durante o repasto sanguíneo, a fêmea do anofelino ingere as formas sanguíneas do parasito, mas somente os gametócitos serão capazes de evoluir no inseto, dando origem ao ciclo sexuado ou esporogônico.
            No intestino médio do mosquito ocorre a gametogênese, poucos minutos após a ingestão do sangue. O gametócito feminino transforma-se em macrogameta e o gametócito masculino, por um processo denominado exflagelação, dá origem a oito microgametas, então um microgameta fecundará um macrogameta dando origem ao ovo ou zigoto. Dentro de 24 horas após a fecundação o zigoto passa a movimentar-se por contrações do corpo, sendo denominado oocineto. Este atinge a parede do intestino médio e se encista na camada epitelial, passando a ser chamado oocisto. Inicia-se o processo de esporogonia, que culmina com a ruptura da parede do oocisto sendo liberados esporozoítos, os quais alcançarão o canal central da glândula salivar do inseto e ingressarão no ducto salivar para serem injetados no hospedeiro vertebrado, juntamente com a saliva, durante o repasto sanguíneo infectante.


3.0  ASPECTOS CLÍNICOS

        Diversas infecções bacterianas e virais resultam em imunidade completa e duradoura após um único contato com o agente etiológico. Em contrapartida, a malária só induz imunidade parcial e de curta duração após vários anos de exposição contínua ao parasito, dessa forma, muitas crianças pequenas desenvolvem malária grave quando expostas a P. falciparum. A partir dos 5 anos de idade, entretanto, a malária grave é raramente observada nessas crianças, que parecem ter desenvolvido certo grau de imunidade contra a doença (imunidade clínica), ainda que permaneçam suscetíveis a infecção e eventualmente a episódios clínicos leves.

     Adolescentes e adultos de comunidades rurais da África Subsaariana, expostos a malária desde o nascimento, ainda que frequentemente alberguem baixas cargas parasitárias, raramente apresentam doença clinicamente manifesta. Gestantes são exceção, especialmente as primigestas, que podem desenvolver malária grave. Outra exceção conhecida, são os africanos que permanecem por longos períodos de tempo fora de áreas endêmicas, com perda parcial ou completa da imunidade adquirida.
     No Brasil, há evidência de aquisição de imunidade clínica em populações da Amazônia, após vários anos de exposição ao parasito, embora os níveis de transmissão de malária sejam substancialmente inferiores aos observados na África.

        Entre indivíduos não imunes, como viajantes ou imigrantes provenientes de áreas não endêmicas, é comum a ocorrência de paroxismos característicos da malária, também chamados de acessos palúdicos. Estes, iniciam-se com calafrios, acompanhados de mal-estar, cefaléia e dores musculares e articulares. Náuseas e vômitos são sintomas freqüentes, podendo também ocorrer dor abdominal intensa. Em algumas horas inicia-se febre alta, que produz prostração. A esta fase segue um período de sudorese profusa. Em geral, pacientes com infecção por P. falciparum, P. vivax e P. ovale têm paroxismos febris a cada 48 horas (chamada febre terçã), enquanto aqueles infectados por P. malariae têm paroxismos a cada 72 horas (chamada febre quartã). Na prática, em indivíduos continuamente expostos a malária este quadro clássico é pouco freqüente, pois nestes os sintomas tendem a ser mais brandos, podendo a infecção ser completamente assintomática em indivíduos semi-imunes ou com baixas parasitemias.
     O diagnóstico diferencial da malária não complicada inclui quadros febris agudos, comuns em regiões tropicais, como dengue, febre amarela e outra arboviroses, havendo geralmente anemia, esplenomegalia e hepatomegalia.

       Do ponto de vista clínico, a diferença mais importante entre P. falciparum e as demais espécies está em sua maior capacidade de produzir doença potencialmente grave e de desenvolver rapidamente resistência a diversos antimaláricos de uso corrente, sendo “malária grave” ou “complicada” um conceito operacional originalmente proposto para identificar pacientes com malária causada pelo P. falciparum, que requerem cuidados médicos de maior complexidade. Entretanto, hoje é amplamente reconhecida a capacidade de P. vivax produzir doença grave, eventualmente fatal, e adquirir resistência a diversos antimaláricos de uso corrente, especialmente à cloroquina.
   Embora a transmissão congênita seja rara, as crianças de mães com malária gestacional por P. falciparum ou P. vivax, frequentemente apresentam retardo de crescimento intrauterino.

       A definição clássica de malária cerebral restringe-se aos pacientes com malária por P. falciparum em coma profundo, incapazes de localizar estímulos dolorosos nos quais outras encefalopatias tenham sido excluídas. A malária cerebral é geralmente considerada como uma complicação exclusiva de malária por P. falciparum, em função de sua clara associação com o fenômeno de citoaderência. Entretanto, há diversos relatos recentes de complicações neurológicas, incluindo coma, em infecções por P. vivax.
       A anemia produzida por hemólise intravascular em pacientes com malária resulta tanto da ruptura de hemácias parasitadas como pela destruição de hemácias não parasitadas pelo sistema imune do hospedeiro.

    A insuficiência renal é uma complicação particularmente comum na malária grave encontrada no Brasil. Resulta de alterações da perfusão renal, decorrentes da desidratação e de eventual hipotensão, e agravadas pela hemólise intravascular e conseqüente lesão tubular. A diálise precoce é essencial para reduzir a letalidade do quadro.
      A insuficiência respiratóriadecorre de edema pulmonar, sendo um quadro comum entre pacientes adultos, com elevada letalidade. Não é um quadro exclusivo de malária por P. falciparum. Recentemente, numerosos relatos de casos de insuficiência respiratória, com diferentes níveis de gravidade, foram descritos na malária por P. vivax, mas a sua fisiopatogenia permanece obscura.

    A icterícia na malária decorre tanto de hemólise intravascular como de alterações funcionais dos hepatócitos, havendo aumento dos níveis de bilirrubina direta e indireta. Uma situação extrema de hemólise intravascular, com intensa hemoglobinúria, recebe o nome de febre hemoglobinúrica ou blackwater fever, na literatura de língua inglesa, estando este quadro geralmente associado ao uso irregular de quinina. A maior parte dos pacientes apresenta função renal normal, desde que a reposição de sangue seja feita adequadamente.
      A ruptura esplênica, espontânea ou após trauma abdominal, é uma complicação rara da malária por P. falciparum e também aquela causada por outras espécies. O quadro requer diagnóstico rápido e tratamento (quase sempre cirúrgico) imediato.


3.1 Fisiopatologia da malária grave

            O principal fator de virulência de P. falciparum é a capacidade de adesão das hemácias parasitadas por estágios adultos do parasito ao endotélio de pequenos vasos sanguíneos, particularmente de vênulas pós-capilares, um fenômeno conhecido como citoaderência. A citoaderência deve-se a produção, pelo P. falciparum, de moléculas exportadas para a membrana das hemácias parasitadas. Estas proteínas do parasito formam protuberâncias que medeia o processo de adesão a receptores endoteliais. A principal molécula do parasito envolvida na aderência ao endotélio vascular é uma proteína chamada PfEMP-1 (proteína 1 da membrana do eritrócito). Os diversos domínios de PfEMP-1 ligam-se a diferentes receptores presentes no endotélio vascular.

            Além de mediar a aderência de hemácias infectadas a receptores do endotélio vascular, a PfEMP-1 e outras moléculas do parasito expostas na superfície da célula hospedeira medeiam a formação de rosetas (aglomerados de hemácias não parasitadas que se ligam a hemácias parasitadas formando estruturas conhecidas como rosetas). As hemácias parasitadas aderidas ao endotélio e as outras hemácias, podem obstruir pequenos vasos, com conseqüente hipóxia tecidual.
            A maioria das complicações clínicas que caracterizam a malária grave é conseqüência direta ou indireta dos fenômenos de citoaderencia e, possivelmente, da formação de rosetas, bem como da produção de citocinas pró-inflamatórias, as quais estimulam expressão, pelo endotélio vascular, de moléculas de adesão que se ligam a PfEMP-1.

            Hemácias infectadas por P. vivax são classicamente consideradas incapazes de aderir ao endotélio vascular, mas este conceito exige urgente revisão. Moléculas derivadas desse parasito, expressas na superfície de hemácias infectadas, podem mediar a adesão a moléculas presentes no endotélio vascular, fornecendo uma base fisiopatológica às alterações pulmonares e cerebrais e à disfunção placentária ocasionalmente observadas na malária por P. vivax.
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