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8 de abr. de 2013

Leishmania e Leishmanioses - Parte I


 Leishmania e as Leishmanioses


1.0 INTRODUÇÃO
        As leishmanioses constituem um grupo de doenças causadas por protozoários flagelados pertencentes ao gênero Leishmania, ordem Kinetoplastida e família Trypanosomatidae. Este gênero apresenta mais de 30 espécies descritas, com 20 delas envolvidas em casos humanos, sendo uma doença endêmica em 88 países e presente nas Américas, África, Europa e Ásia, com cerca de 350 milhões de pessoas vivendo em área de risco de transmissão.
        Durante o seu ciclo de vida, heteroxeno, parasita hospedeiros vertebrados (grande variedade de mamíferos) e invertebrados, sendo a transmissão através da picada do inseto infectado no momento do repasto sanguíneo.

     A infecção em aves e anfíbios nunca foi descrita. Os organismos encontrados parasitando répteis, que até o século passado pertenciam ao gênero Leishmania, foram agrupados em outro gênero, o Sauroleishmania.

2.0 ASPECTOS BIOLÓGICOS

         Embora seja uma doença antiga nas Américas, presente desde a época dos Maias, apenas em 1903 foi descrita cientificamente por Leishman e Donovan.

2.1 Hospedeiros

            A maioria das espécies de Leishmania tem como hospedeiros vertebrados naturais diversos mamíferos silvestres ou domésticos, tendo os roedores e canídeos como principais reservatórios do parasito. Classicamente, o homem é considerado um hospedeiro acidental, adquirindo a doença ao adentrar áreas silvestres, onde o ciclo de Leishmaniaocorre sem prejuízo para a saúde dos animais ou dos insetos vetores.

2.2 Vetores

            As leishmânias são transmitidas ao hospedeiro mamífero pela picada da fêmea dos insetos vetores, pequenos dípteros que pertencem aos gêneros Phlebotomus, no Velho Mundo, e Lutzomyia e, em menor escala, Psychodopygos, no Novo Mundo (Américas), compreendendo mais de 30 espécies de flebotomíneos.
            Os flebotomíneos são insetos pequenos, com 2 a 3 mm de comprimento, muito pilosos e que não fazem barulho ao voar. Encontram-se perto de habitações humanas e multiplicam-se próximos a restos orgânicos, sendo mais ativos ao amanhecer e ao entardecer. Apenas as fêmeas alimentam-se de sangue.

No Brasil, os flebotomineos são conhecidos como mosquito-palha, birigui, cangalha ou tatuíra, dependendo da região do país.

2.3 Agente etiológico

            A morfologia dos parasitos deste gênero guarda semelhanças entre as diferentes espécies, apresentando duas formas morfológicas principais em seu ciclo, a forma promastigota, extracelular, flagelada e a forma amastigota, intracelular e sem flagelo visível à microscopia óptica.
            As formas promastigotas são encontradas no intestino do inseto vetor. São alongadas, com flagelo livre emergindo da porção anterior do parasito. O flagelo origina-se a partir do cinetoplasto, região especializada da única mitocôndria encontrada nesses parasitos. O cinetoplasto contém grande quantidade de DNA extra nuclear, organizado em moléculas circulares: os maxicírculos e os minicírculos. O núcleo é arredondado ou oval, situado na região mediana ou ligeiramente na porção anterior do corpo. O cinetoplasto, em forma de bastão, localiza-se na porção mediana, entre a extremidade anterior e o núcleo. O flagelo apresenta sempre medidas iguais ou superiores ao maior diâmetro do corpo.

            As formas amastigotas são ovaladas. A membrana apresenta uma invaginação na região anterior do corpo, formando a bolsa flagelar, onde se localiza o flagelo. O núcleo, grande e arredondado, ocupa cerca de um terço do corpo do parasito e o cinetoplasto, em posição anterior ao núcleo, apresenta-se na forma de um pequeno bastonete.
       Os protozoários do gênero Leishamaniacontêm ainda glicossomos, organelas essenciais que participam da regulação metabólica necessária à adaptação a ambientes tão diversos quanto os encontrados nos diferentes hospedeiros.

2.4 Ciclo
            O ciclo da Leishmania se completa com a passagem por dois hospedeiros, um vertebrado mamífero e o inseto vetor. A infecção do flebotomíneo fêmea ocorre por ingestão de sangue contaminado de um hospedeiro mamífero. Os parasitos ingeridos junto com o sangue se diferenciam em promastigotas procíclicos, que sobrevivem no meio extracelular e se multiplicam por divisão binária. Estes nutrem-se do conteúdo intestinal do inseto, utilizando principalmente a glicose e a prolina como fontes de carbono. A medida que os nutrientes no tubo digestivo do inseto escasseiam, os promastigotas procíclicos se diferenciam em metacíclicos, diferenciação que se traduz em mudanças morfológicas, como o aumento da extensão do flagelo e o encurtamento do corpo do parasito, e também bioquímicas. O promastigota metacíclico é incapaz de se multiplicar, devendo ser inoculado no mamífero para dar continuidade ao ciclo.

            Os diferentes estágios do parasito ocupam também habitats distintos no interior do inseto. Após o repasto sanguíneo e sua diferenciação em promastigotas, os parasitos são encontrados no interior da membrana peritrófica, misturados ao conteúdo do repasto sanguíneo. Para escapar das enzimas digestivas que serão secretadas no saco alimentar, os promastigotas escapam de seu interior e, mediante interações de moléculas presentes do lado exterior de sua membrana plasmática e lectinas presentes no trato digestivo do inseto vetor, instalam-se na região do intestino anterior (subgênero Leishmania) ou no intestino posterior (subgênero Viannia). Aderidos ao epitélio digestivo, os promastigotas multiplicam-se extensivamente. Alguns dias depois, com a redução do conteúdo de nutrientes do intestino, ocorre a diferenciação para promastigotas metacíclicos. As moléculas presentes na superfície do parasito são alteradas, desaparecendo a capacidade de adesão específica a lectinas do epitélio.
          Os promastigotas metacíclicos, agora livres no interior do intestino, fazem uma migração retrógrada, até as porções anteriores do esôfago do inseto, onde passam a secretar fosfolipídios, formando uma substância gelatinosa capaz de obstruir, em parte, o local por onde deverá passar o sangue do próximo repasto sanguíneo. Por isso, o flebotomíneo infectado precisa picar inúmeras vezes até atingir a saciedade, regurgitando parasitos e porções este material gelatinoso a cada picada. Assim, os promastigotas metacíclicos são injetados nos mamíferos, misturados à saliva e ao geral secretado anteriormente, ambos representando fatores importantes para o estabelecimento da infecção.

            Os promastigotas metacíclicos são resistentes a lise pelo sistema complemento, o qual é ativado por fatores inflamatórios presentes na saliva do inseto, e se deposita na superfície do promastigota opsonizando-o, assim o tornando pré-disposto para a fagocitose por células especializadas, os polimorfonucleares e os macrófagos.
            Um grande número de neutrófilos é atraído para o sítio de inoculação do parasito devido a lesão mecânica causada pela picada e a atividade inflamatória da saliva. A maioria dos promastigotas fagocitados por neutrófilos são destruídos no interior do fagossoma.

            Normalmente os neutrófilos têm um período curto de vida, que termina pela entrada em apoptose, quando são então fagocitados por macrófagos. Parte dos neutrófilos que fagocitam promastigotas têm sua fisiologia alterada, tornando-se incapazes de destruir os parasitos. Os promastigotas que conseguem instalar-se em compartimentos não líticos do neutrófilo retardam a apoptose e prolongam a vida da célula hospedeira enquanto macrófagos e células dendríticas são atraídas para o local da infecção. Em um segundo momento, os neutrófilos transferem os parasitos para o interior de macrófagos, por serem fagocitados ou liberando-os nas vizinhanças de macrófagos que chegam ao local da lesão.
            Os macrófagos são, de fato, as células hospedeiras por excelência para as leishmânias. Os componentes do Complemento depositados sobre os promastigotas favorecem a fagocitose pelos macrófagos através dos receptores CR3, que quando ativado induz fagocitose sem estimular a produção de intermediários reativos de oxigênio e nitrogênio.

            O parasito fagocitado permanece envolto pela membrana que forma o fagossomo ou vacúolo parasitóforo, lisossomos se fundem a este vacúolo despejando em seu interior seu conteúdo ácido e rico em enzimas proteolíticas. A sobrevivência dos promastigotas neste vacúolo se deve a produção de proteases de superfície por este, as quais levam a inativação das enzimas lisossômicas. O pH ácido remanescente e o aumento brusco da temperatura, devido a passagem do insetro para o mamífero, funcionam como sinais para uma nova transformação do parasito, que agora passa para a forma de amastigota.
     Os amastigotas são formas de vida intracelulares, adaptados ao ambiente fagolisossômico, multiplicam-se por divisão binária até que a quantidade seja suficiente para romper a membrana da célula hospedeira. Estes amastigotas liberados podem ser fagocitados por outros macrófagos ou migrar, por via hematogênica, para outros órgãos do hospedeiro mamífero.

            Os amastigotas ingeridos pelos flebotomíneos no momento do repasto sanguíneo, ao experimentarem a mudança de pH e de temperatura, novamente assumem a forma de promastigota no intestino do inseto.
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