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13 de abr. de 2013

Leishmania e Leishmaniose - Parte II




3.0 ASPECTOS CLÍNICOS

Na maior parte dos casos, o local de inoculação do parasito, após a picada do flebotomíneo, é difícil de ser reconhecido. Após um período de incubação de 2 a 8 semanas, podem surgir sinais e sintomas de leishmaniose. No entanto, muitas infecções são assintomáticas. Estudos epidemiológicos em áreas endêmicas de leishmaniose visceral mostram que somente 5 a 6% das pessoas infectadas desenvolvem sintomas. Na leishmaniose tegumentar não se dispõe de dados precisos quanto a proporção de indivíduos infectados que desenvolvem a doença.
As diferentes formas clínicas podem ser agrupadas em leishmaniose tegumentar e visceral (Calazar), sendo que a principal espécie causadora da leishmaniose tegumentar no Brasil, tanto em número de casos quanto em distribuição geográfica, é Leishmania (Viannia) brasiliensis. Já a leishmaniose visceral, no Brasil, é causada principalmente pela espécie Leishmania (Leishmania) infantum chagasi.


3.1 Leishmaniose tegumentar
            Um amplo espectro de formas pode ser visto na leishmaniose tegumentar, variando desde uma lesão auto resolutiva até lesões desfigurantes. Esta variação está ligada ao estado imunológico do paciente e às espécies de Leishmania. Estas formas podem ser agrupadas em três tipos básicos:


3.1.1 Leishmaniose cutânea
            Caracterizada pela formação de úlceras únicas ou múltiplas, de bordas elevadas e fundo granular, lembrando o topo de uma “cratera de vulcão”, com alta densidade de parasitos nas fases iniciais. A lesão surge em região próxima a inoculação dos parasitos, podendo ou não ser seguida de lesões satélites ou secundárias. Infecções secundárias podem ocorrer, levando a formação de uma secreção purulenta.

            Após muitos meses, a(s) úlcera(s) pode(m) cicatrizar espontaneamente, com resolução da lesão cutânea.
A leishmaniose cutâneo-disseminada é uma forma de variação da leishmaniose cutânea e geralmente está relacionada a pacientes imunossuprimidos.

3.1.2 Leishmaniose cutânea difusa
            Esta forma geralmente está associada a infecções por L. (L.) amazonensis. Esta forma grave, extremamente rara, e não responsiva aos tratamentos convencionais, caracteriza-se pela presença de nódulos subcutâneos, não ulcerados, disseminados por todo o corpo.

            A doença inicia-se por uma úlcera única, evoluindo para a forma cutânea difusa em 40% dos pacientes parasitados por L. (L.) amazonensis, estando estritamente associada a uma deficiência imunológica do paciente.

3.1.3 Leishmaniose cutaneomucosa

            No Brasil, esta apresentação clínica esta associada a infecção por L. (V.) braziliensis. As lesões em mucosas oral e nasal podem surgir anos após o aparecimento das lesões cutâneas, mas podem também precedê-las ou mesmo surgir sem manifestações cutâneas. Produz lesões destrutivas, envolvendo mucosas e cartilagens, sobretudo no nariz, faringe, boca e laringe.

3.2 Leishmaniose visceral

            A leishmaniose visceral é uma doença crônica, endêmica em várias regiões do mundo. Caracteriza-se por febre intermitente e esplenomegalia (associada ou não a hepatomegalia), com progressivo emagrecimento e enfraquecimento geral do hospedeiro. Progressivamente, com o curso da doença, o paciente apresenta anemia, hemorragia gengival, edema, icterícia e ascite. Nestes pacientes, o óbito pode ser pelo parasitismo, porém, geralmente é determinado pela anemia e infecções intercorrentes.
Esta forma de leishmaniose pode ser uma das doenças oportunistas associadas a AIDS, situação em que o quadro clínico é muito variável e atípico. Em geral a evolução da doença é muito grave e a resposta ao tratamento muito precária, quando comparado a pacientes imunocompetentes.


4.0 EPIDEMIOLOGIA
            De acordo com os dados mais recentes da Organização Mundial de Saúde, as leishmanioses acometem 12 milhões de pessoas no mundo, sendo endêmica em 88 países tropicais e subtropicais, com 1,5 a 2,0 milhões de novos casos a cada ano, havendo 350 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco de se contrair esta doença.

            Destes novos casos, de 1,0 a 1,5 milhões correspondem a forma cutânea e cerca de 0,5 milhão a forma visceral.
            Nas últimas décadas a epidemiologia da leishmaniose tem-se alterado no Brasil. Com freqüência cada vez maior identificam-se novos focos de transmissão em áreas urbanas. Surtos recentes em capitais como Belo Horizonte e Recife, mostram que as leishmanioses estão em franca expansão geográfica. A urbanização da leishmaniose visceral, alastrando-se por cidades como Teresina, Belo Horizonte, Campo Grande e Araçatuba, é também motivo de grande preocupação entre os profissionais de saúde pública.

            Apesar de ser uma doença de notificação compulsória, o caráter crônico das leishmanioses, as dificuldades no diagnóstico e a ocorrência de casos em regiões remotas do país, fazem crer que exista grande subnotificação. As estatísitcas do Ministéria da Saúde relatam uma incidência média anual de 25.678 casos de leishmaniose tegumentar e 3.485 de leishmaniose visceral no período de 2000 a 2010.

5.0 DIAGNÓSTICO

5.1 Clínico
            O diagnóstico clínico da leishmaniose tegumentar é feito com base nas características das lesões, associado a anamnese, na qual os dados epidemiológicos são de extrema importância. Deve ser feito diagnóstico diferencial de outras dermatoses que apresentam lesões semelhantes, como tuberculose cutânea, hanseníase, infecções por fungos, úlcera tropical e neoplasmas.

            Na leishmaniose visceral, o diagnóstico clínico baseia-se também nos sintomas apresentados pelo paciente associado a história de residência em área endêmica. Deve ser feito também diagnóstico diferencial de outras patologias que apresentam sintomatologia semelhante, como malária, toxoplasmose, tuberculose e esquistossomose, principalmente em áreas onde ocorre superposição na distribuição das doenças.

5.2 Laboratorial

            O diagnóstico laboratorial dispõe de várias técnicas para sua realização, sendo as principais:
a) Pesquisa do parasito: o diagnóstico baseia-se na observação direta do parasito em preparações de material obtido de lesão ou de aspirado de medula óssea, baço, fígado e linfonodo, através de:

• Exame direto de esfregaço corado;
• Exame histopatológico;

• Cultura;
• Inóculo em animais.

b) Pesquisa de DNA do parasito: a pesquisa de DNA do parasito por reação em cadeia de polimerase (PCR) tem sido avaliada em diferentes centros de pesquisa para o diagnóstico da leishmaniose, apresentando alta sensibilidade e especificidade, podendo ser realizada com pequena quantidade de material biológico. Entretanto, a PCR não está, ainda, disponível para uso rotineiro em diagnóstico humano.
c) Métodos imunológicos: métodos imunológicos podem ser utilizados como auxiliares no diagnóstico. Os testes apresentam sensibilidade e especificidade variáveis, entretanto, devem ser a escolha imediata na suspeita clínica, principalmente pela ausência de riscos para o paciente. A aplicação no diagnóstico de pacientes imunossuprimidos requer cuidado na interpretação dos resultados. As principais técnicas imunológicas são:

• Teste de Montenegro;
• Reação de Imunofluorescência Indireta (RIFI);

• Ensaio Imunoenzimático (ELISA);
• Reação de Fixação do Complemento (RFC).


6.0 TRATAMENTO
            Os medicamentos de primeira escolha na terapêutica das leishmanioses são os antimoniais pentavalentes, instituídos em substituição aos antimoniais trivalentes a partir de 1920. Nas Américas, utiliza-se o antimoniato de meglumina. Na Europa, Ásia e África, o medicamento de escolha é o estibogliconato de sódio.

            O tratamento com antimoniais pode levar a uma grande variedade de efeitos colaterais e induzir resistência no parasito, sendo que na Índia, 80% dos parasitos isolados de casos humanos são resistentes a estes.
            O medicamento de segunda escolha é a anfotericina B, também capaz de produzir toxicidade, especialmente nefrotoxicidade. Recentemente, o uso de anfotericina B lipossomal tem possibilitado a redução na dose e consequentemente da toxicidade, entretanto, o alto custo figura-se como um limitante para esta nova formulação.

            Recentemente, o primeiro medicamento de uso oral foi aprovado, o miltefosine, introduzido na Índia para o tratamento da leishmaniose visceral. Este tratamento tem mostrado bons resultados, e encontra-se em teste na América Latina para o tratamento da leishmaniose tegumentar, entretanto, por ser uma substância teratogênica, não pode ser usado em gestantes.
            Assim, existe uma necessidade urgente por novas drogas leishmanicidas, dada a ineficácia dos tratamentos atuais, sua alta toxicidade e o aparecimento cada vez mais comum de cepas resistentes aos tratamentos convencionais.


7.0 PREVENÇÃO E CONTROLE
            Não existem vacinas contra a leishmaniose para uso humano, assim, as medidas de prevenção e controle concentram-se em três frentes de atuação: a) diagnóstico e tratamento dos doentes; b) eliminação dos reservatórios (cães) com sorologia positiva; c) combate ao inseto vetor.

            As propostas de controle das leishmanioses devem levar em consideração as diferentes situações epidemiológicas em que ocorrem as infecções. Para leishmaniose tegumentar clássica, de ciclo silvestre, no interior ou nas proximidades de regiões de mata, a profilaxia se faz por métodos de proteção individual, com uso de repelentes, telas nas janelas e mosquiteiros impregnados com inseticidas, já que neste contexto o controle dos reservatórios é impraticável, por serem animais silvestres.
            No caso da leishmaniose visceral, identifica-se o cão como um reservatório importante na cadeia de transmissão, assim, recomenda-se, em geral, o tratamento dos doentes e o sacrifício dos cães infectados.

            A aplicação de inseticidas de efeito residual em habitações reduz a transmissão, especialmente em áreas urbanas.
            Apesar de todas as medidas de controle, e conhecimento desenvolvido a cerca das leishmanioses, estas ainda continuam como um grande desafio em vários aspectos, desde seu diagnóstico até o seu tratamento e prevenção, especialmente no contexto atual, de expansão geográfica, aumento de incidência e ameaça de seleção de parasitos resistentes.

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